quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

ES-PE-RAN-ÇA

Love wins # Calvin Hui


Recomeçar (Paulinho da Viola - Elton Medeiros) # Paulinho da Viola




ESPERANÇA

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...


Mario Quintana - Nova Antologia Poética



Onde:
Nova antologia poética # Mario Quintana
Ed. Globo

Coração Leviano # Paulinho da Viola

http://positive-posters.com/posters/profiles/?pid=5035

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Nossa criança

Macanudo # Liniers



Minha criança (Ana de Hollanda - Nivaldo Ornelas) # Ana de Hollanda



Onde:

Só na canção # Ana de Hollanda

http://www.macanudo.com.ar/fecha=2014-12-17

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Palavra

Il Pleut (Chove) # Jun Yokoyama



Uma palavra (Chico Buarque) # Chico Buarque


A PALAVRA


Já não quero dicionários
consultados em vão
Quero só a palavra
que nunca estará neles
nem se pode inventar.
Que resumiria o mundo
e o substituiria.
Mais sol que o sol,
dentro do qual vivêssemos
todos em comunhão,
mudos,
saboreando-a.

Carlos Drummond de Andrade - A Paixão Medida



Onde:
Nova Reunião 2 # Carlos Drummond de Andrade
Ed.José Olympio & Instituto Nacional do Livro
Uma palavra # Chico Buarque de Holanda

http://www.jun.com.br/v22_siteantigo/default.asp?id=graphigrama&content=appolinaire

domingo, 28 de dezembro de 2014

Seguir o voo

Voces de libertad # Per Arnoldi


Asa (Caetano Veloso) # Caetano Veloso e Djalma Corrêa (percussão)




Cassino

Eu não gosto de prazer premeditado.
O mundo, às vezes, é um borrão escuro.
Eu, meio bêbado, estou condenado
A ver as cores de um viver obscuro.

O vento brinca e às nuvens descabela.
A âncora cai no fundo do oceano.
E inanimada, como uma tela,
A alma pende para o abismo insano.

Mas amo estar nas dunas do cassino,
A larga vista da janela baça,
Um fio de luz na toalha que desbota,

À minha volta o mar verde-citrino,
Vinho, como uma rosa, em minha taça
E eu a seguir o voo da gaivota.

Óssip Mandelstam

Tradução : Augusto de Campos




Onde:

Poesia da recusa # Augusto de Campos
Ed. Perspectiva


Joia # Caetano Veloso

http://www.culturallascondes.cl/home/exposicion-voces-en-libertad

sábado, 27 de dezembro de 2014

Encantação pelo riso

Be free # Grégoire Murith



Encantação pelo riso # Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção sobre poema de Vielímir Khlébnikov
Tradução: Haroldo de Campos



Nós encantamos e encantoamos
Ora encantamos, ora encantoamos
Cantoantes, cantantes.
Ora encantoadores, ora encantadores.
Do olhar do canto o encanto.
Encantatários, encantatórios.
Encantoa! Encantatoa!
Encântoro! Encântaro!
Encantacanto e encantoacanto.
Encantoarte, encantarte.

Vielímir Khlébnikov

Tradução: Augusto de Campos



Onde:

Gigante Negão # Arrigo Barnabé

http://positive-posters.com/posters/profiles/?pid=1988

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

A criança que você era, o brilho que você tinha


Trailer do filme Tarja Branca - A revolução que faltava # Cacau Rhoden, Instituto Alana e Maria Farinha Filmes
Disponível no Netflix 
Maravilhoso!Imperdível!




e ainda sobre o sagrado território da infância:

Cadê sua foto? # Helô Lima em brincadeira com os amigos do Portal Luis Nassif

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Nascer para a eterna novidade do mundo

Make it New (Confúcio – Ezra Pound)# Renovar (Augusto de Campos) 
Serigrafia de Omar Guedes




Renascer/Meditação # (Camille Saint-Saens - Altay Veloso/ Gilberto Gil) # Zizi Possi




O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...

Alberto Caeiro - O Guardador de Rebanhos


Onde:

Despoesia # Augusto de Campos
Ed. Perspectiva


Valsa brasileira # Zizi Possi
http://www.insite.com.br/art/pessoa/ficcoes/acaeiro/207.php
http://www2.uol.com.br/augustodecampos/poemas.htm

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Dezembros

Chema Madoz



Canções e momentos (Fernando Brant - Milton Nascimento) # Maria Bethânia e Milton Nascimento




Onde:

Dezembros # Maria Bethânia

http://www.chemamadoz.com/

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Pretérito imperfeito

Passado # Carlos Ruas







Onde:

http://www.umsabadoqualquer.com/page/4/

http://www.vivapoesia.com/p/artilharia-sem-quartel.html

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Não às atrocidades feitas em nosso nome

Charge de Leandro Franco



Vence na vida quem diz sim (Rui Guerra - Chico Buarque)

Em disco foi gravada a versão orquestral. A letra foi censurada em 1973 pela ditadura militar:



Vence na vida quem diz sim
Vence na vida quem diz sim

Se te dói o corpo
Diz que sim
Torcem mais um pouco
Diz que sim
Se te dão um soco
Diz que sim
Se te deixam louco
Diz que sim
Se te babam no cangote
Mordem o decote
Se te alisam com o chicote
Olha bem pra mim
Vence na vida quem diz sim
Vence na vida quem diz sim

Se te jogam lama
Diz que sim
Pra que tanto drama
Diz que sim
Te deitam na cama
Diz que sim
Se te criam fama
Diz que sim
Se te chamam vagabunda
Montam na cacunda
Se te largam moribunda
Olha bem pra mim
Vence na vida quem diz sim
Vence na vida quem diz sim

Se te cobrem de ouro
Diz que sim
Se te mandam embora
Diz que sim
Se te puxam o saco
Diz que sim
Se te xingam a raça
Diz que sim
Se te incham a barriga
De feto e lombriga
Nem por isso compra a briga
Olha bem pra mim
Vence na vida quem diz sim
Vence na vida quem diz sim




Os dois lados

Luis Fernando Veríssimo

Na reação ao relatório da Comissão da Verdade sobre as vítimas da ditadura, afirma-se que, para ser justo, ele deveria ter incluído o outro lado, o das vítimas da ação armada contra a ditadura. Invoca-se uma simetria que não existe. Nenhum dos mortos de um lado está em sepultura ignorada como tantos mortos do outro lado. Os meios de repressão de um lado eram tão mais fortes do que os meios de resistência do outro que o resultado só poderia ser uma chacina como a que houve no Araguaia, uma estranha batalha que — ao contrário da batalha de Itararé — houve, mas não deixou vestígio ou registro, nem prisioneiros. A contabilidade tétrica que se quer fazer agora — meus mortos contra os teus mortos — é um insulto a todas as vítimas daquele triste período, de ambos os lados.


Mas a principal diferença entre um lado e outro é que os crimes de um lado, justificados ou não, foram de uma sublevação contra o regime, e os crimes do outro lado foram do regime. Foram crimes do Estado brasileiro. Agentes públicos, pagos por mim e por você, torturaram e mataram dentro de prédios públicos pagos por nós. E, enquanto a aberração que levou a tortura e outros excessos da repressão não for reconhecida, tudo o que aconteceu nos porões da ditadura continua a ter a nossa cumplicidade tácita. Não aceitar a diferença entre a violência clandestina de contestação a um regime ilegítimo e a violência que arrasta toda a nação para os porões da tortura é desonesto.

O senador John McCain é um republicano “moderado”, o que, hoje, significa dizer que ainda não sucumbiu à direita maluca do seu partido. Foi o único republicano do Congresso americano a defender a publicação do relatório sobre a tortura praticada pela CIA, que saiu quase ao mesmo tempo do relatório da nossa Comissão da Verdade. McCain, que foi prisioneiro torturado no Vietnã, disse simplesmente que uma nação precisa saber o que é feito em seu nome. O relatório da Comissão da Verdade, como o relatório sobre os métodos até então secretos da CIA, é um informe à nação sobre o que foi feito em seu nome. Há quem aplauda o que foi feito. Há até quem quer que volte a ser feito. São pessoas que não se comovem com os mortos, nem de um lado nem do outro. Paciência.

Enquanto perdurar o silêncio dos militares, perdura a aberração. E você eu não sei, mas eu não quero mais ser cúmplice.




Onde:

Calabar # Chico Buarque de Holanda

http://jornalggn.com.br/noticia/verissimo-querer-igualar-os-dois-lados-na-ditadura-e-invocar-simetria-que-nao-existe

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Moinhos de moer gente

Projeto cédula # Cildo Meireles


Porque cantamos (Mario Benedetti - Alberto Favero)# Nacha Guevara




DAR CABO

Antonio Prata

Folha de S.P.

Aos oito anos de idade, descobri que o ser humano não prestava. Estava no banco de trás do carro, descendo a 23 de Maio, li "Abaixo a ditadura!" num muro e perguntei pro meu pai o que significava aquilo. Meu pai, cuja particularíssima pedagogia baseava-se no princípio de que as crianças deviam ser tratadas como os adultos, sem filtros, me deu uma resposta bem detalhada.

Meia hora mais tarde, tendo passado pelos porões do Doi-Codi, pelo pau de arara, pela coroa de Cristo, pela cadeira do dragão e por minha prima Julieta, aos 20 anos, sendo violentada com um cabo de vassoura e um fio desencapado na ponta, cheguei, lívido, em casa.

Durante a ditadura, milhares de brasileiros sofreram horrores semelhantes aos da minha prima. Centenas não sobreviveram. O relatório da Comissão Nacional da Verdade, publicado na última quarta (10), traz o assunto novamente à tona. Felizmente, pois apesar de essas histórias serem há muito conhecidas e documentadas, apesar de boa parte de seus responsáveis estarem vivos, há quem ache que o melhor é deixar tudo pra trás.

"Eram outros tempos", "O mundo estava polarizado", dizem os que querem minimizar cabos de vassoura com fios desencapados. Verdade, o mundo estava polarizado, e o Brasil também, mas o embate ocorria dentro do campo democrático. Então veio o golpe de 64 e aqueles que temiam por aqui uma improvável Cuba de Fidel nos impuseram a certeza de uma Nicarágua dos Somoza, um Haiti de Papa e Baby Doc, uma República Dominicana de Trujillo.

"Ninguém ali era santo", "A luta armada não queria restituir a democracia, mas instalar uma ditadura de esquerda", dizem os que acham compreensível deixar um ser humano pendurado a noite inteira de cabeça para baixo, nu.

Não vamos entrar no mérito de que muitos dos mortos e torturados sequer estavam na luta armada. Não vamos entrar no mérito de que um golpe militar tende a radicalizar um pouco a postura da oposição. Apenas aceitemos, hipoteticamente, que todos os torturados e mortos quisessem, de fato, instituir uma ditadura de esquerda. Mais ainda: aceitemos, hipoteticamente, que eles quisessem matar todas as criancinhas brasileiras e comê-las com farinha. Ainda assim, o Estado que os torturasse ou os matasse estaria cometendo um crime.

O Estado detém o monopólio do uso da violência justamente para garantir a lei: não pode agir ao largo dela.

"Revanchismo" é o termo que vem sendo usado contra os que desejam ver punidas as violações dos direitos humanos durante a ditadura. Ora, se você é assaltado e quer ver o bandido na cadeia, está sendo "revanchista"? Se você tem um pai, uma filha ou um irmão morto e quer ver os assassinos na cadeia, está sendo "revanchista"?

Pois por 21 anos o Estado brasileiro assaltou, assassinou e violou os direitos de seus cidadãos: com Atos Institucionais, com mentiras, com cabos de vassoura e fios desencapados. Cabe a ele reconhecer seus crimes e prender os responsáveis. Do contrário, estará não só desrespeitando a todos os que sofreram a sua barbárie, mas, pior, estimulando as torturas e assassinatos que seguem acontecendo Brasil afora, todo dia, pelas mãos da polícia.

Os anos de chumbo não são águas passadas: continuam a mover nossos moinhos de moer gente.



Onde:

Los Esenciais # Nacha Guevara

http://jornalggn.com.br/noticia/cenas-da-ditadura-por-antonio-prata

http://www.tate.org.uk/art/artworks/meireles-insertions-into-ideological-circuits-2-banknote-project-t12514

sábado, 13 de dezembro de 2014

Fios de esperança para Gladys

Chuva  # Joan Brossa



A cor da esperança (Cartola - Roberto Nascimento) # Cartola




Amigo

Mal nos conhecemos
Inauguramos a palavra «amigo».

«Amigo» é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!

«Amigo» (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
«Amigo» é o contrário de inimigo!
«Amigo» é o erro corrigido,

Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada.

«Amigo» é a solidão derrotada!

«Amigo» é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
«Amigo» vai ser, é já uma grande festa!


Alexandre O’Neill, in No Reino da Dinamarca 




A chave # Joan Brossa




Onde:
Cartola 70 anos # Cartola

http://cvc.instituto-camoes.pt/poemasemana/06/03.html

http://www.fundaciojoanbrossa.cat/

http://muralix.com/tag/joan-brossa/

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Esse mundo tem jeito?

Bichinhos de jardim # Clara Gomes



Há palavras que nos beijam (Alexandre O'Neill - Mario Pacheco)# Marise, Jacques Morelenbaum e Sinfonietta de Lisboa



101

Todos nós aprendemos a criticar, desde cedo. Criticamos irmãos, pais, professores, chefes, amigos, vizinhos, colegas e companheiros. Criticamos o governo, a polícia, a justiça, o sistema educacional, a saúde pública. Criticamos como se fôssemos perfeitos e corretos, como se conhecêssemos todas as condições que determinam o comportamento e os compromissos de outras pessoas.
Muitos só abrem os ouvidos aos elogios. E quão perigosos os elogios podem ser.
Críticas corretas precisam trazer em si a compaixão, o cuidado e uma alternativa de vida harmoniosa.


107

Quando não tivermos nenhum pensamento de violência, nenhum gesto de violência, nenhuma palavra de violência, este é o plano da verdade. Quando nos tornamos um ser macio, sem pontas, não é fácil.

Monja Coen - Trechos de Palavras do Dharma.



Onde:
Palavras do Dharma # Monja Coen

www.monjacoen.com.br
Concerto em Lisboa # Mariza, Jacques Morelembaum e Sinfonietta de Lisboa

http://bichinhosdejardim.com/esse-mundo-tem-jeito/

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Para quem não tem o menor apreço pela democracia




Aceitar os fatos 
Marcos Coimbra

Mais cedo ou mais tarde a oposição vai acordar e descobrir a vitória de Dilma Rousseff.
Há fatos de todos os tipos, dos imperceptíveis àqueles impossíveis de ignorar. Também na política existem os irrelevantes e os acachapantes.
O ano de 2014 está prestes a terminar e só não vê quem não quer o fato político mais acachapante do ano: Dilma Rousseff ganhou a eleição. Com a vitória, o PT garantiu a permanência no poder por mais um período, o que significa 16 anos seguidos no comando do País.
Como o futuro a Deus pertence, mas suas mais prováveis configurações podem ser estimadas, é possível dizer que nunca um partido esteve tão perto de realizar o sonho acalentado por todos: completar 20 anos no poder. Não é um aniversário tão extraordinário, mas encanta as legendas.
Todos os vencedores das eleições realizadas desde a redemocratização tinham planos de celebrá-lo. O projeto de Fernando Collor logo ficou pelo caminho. Ele nem sequer terminou o terceiro ano no poder. O do PSDB, com Fernando Henrique Cardoso, chegou apenas ao oitavo, para decepção do próprio e dos companheiros, que tinham certeza de que nunca seriam derrotados. Só falta uma vitória para o PT atingir a marca e está em seus quadros o favorito da eleição de 2018.
A renovação do mandato da presidenta é a prova de que a maioria da sociedade brasileira está basicamente satisfeita com o que seu antecessor e ela fizeram à frente do governo a partir de 2003. As pesquisas realizadas daí em diante mostram serem poucos aqueles que consideram que, nos últimos 12 anos, tudo sempre correu às mil maravilhas, mas são unânimes ao apontar o entendimento da maioria de que o caminho trilhado pelos governos petistas foi fundamentalmente correto.
Contra o fato da reeleição de Dilma pode haver esperneio, muxoxo e tentativa de desqualificação. Nada muda, porém, a realidade. Será ela a ocupante daquela cadeira no Palácio do Planalto até 31 de dezembro de 2018. Salvo, é claro, para quem não tem o menor apreço pela democracia e passa os dias a arquitetar uma maneira de impedi-la de tomar posse ou de derrubá-la via golpe de Estado.
Curiosa a parcela golpista de nossa elite. Acha-se cosmopolita e moderna, mas é fascinada pelas aventuras antidemocráticas mais atrasadas e bregas. Adoraria fazer uma quartelada venezuelana ou uma encenação paraguaia.
Quem, nas oposições à direita, fez cálculos de que Dilma não conseguirá governar no segundo mandato não a conhece. E ilude-se ao acreditar que o Congresso atravessará quatro anos em rebelião contra o governo. A vasta maioria dos deputados e senadores é sensível aos argumentos de quem cuida da chave do cofre.
A suposição do “derretimento” de Dilma deve ter origem no acontecido a Fernando Henrique Cardoso entre 1999 a 2002. De fato, o tucano fez um segundo mandato tão ruim que o PSDB nunca mais se recuperou. De trambolhão em trambolhão, chegou ao fim do governo com 15% de avaliação positiva.
Além de ser mais competente que o tucano, a presidenta é realista. Sabe que o Brasil precisa crescer para garantir a oferta de empregos e assegurar a arrecadação necessária ao custeio dos investimentos e dos programas sociais. E reconhece que a maioria do empresariado nacional não queria sua vitória. Fez a coisa mais inteligente: nomeou, para os ministérios econômicos, nomes para ajudá-la a vencer a resistência de quem decide a respeito dos investimentos privados.
A mídia conservadora reagiu com a costumeira hipocrisia: cobrou “coerência” da presidenta, como se ela estivesse obrigada a agir assim ou assado, em razão de algum dever ideológico. Esqueceu-se do fato relevante. Dilma ganhou a eleição e pode montar o ministério que considerar adequado. Escolhê-lo é prerrogativa presidencial e é ela a chefe de governo.
Quem também, ao que parece, não se deu conta do fato de termos uma presidenta reeleita é o senador Aécio Neves. Acontece com ele o inverso do sistema político: quanto mais no passado fica a eleição, mais ele teima em permanecer no palanque.
Em Minas Gerais, há quem desconfie de seu recente radicalismo. Seria quiçá uma estratégia de defesa, de atacar para se proteger. Quem mais conhece os intestinos das empresas públicas mineiras nos últimos 12 anos? Quem mais tem motivos para temer o que podem revelar as auditorias que o governador eleito deve realizar?
Talvez seja assim mesmo. Até os fatos acachapantes precisam de tempo para ser percebidos. Mais dia, menos dia, as oposições vão acordar e descobrir que Dilma Rousseff ganhou a eleição e governará pelos próximos quatro anos.


Onde:
http://www.cartacapital.com.br/revista/829/aceitar-os-fatos-3950.html

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

O paraíso são os outros

Ciranda das estrelas # Antônio Poteiro



Jogo de roda (Rui Guerra - Edu Lobo) # Olívia Hime e Dona Edith do Prato


"O inferno não são os outros, pequena Halla. Eles são o paraíso, porque um homem sozinho é apenas um animal.  A humanidade começa nos que te rodeiam, e não exatamente em ti. Ser-se pessoa implica a tua mãe, as nossas pessoas, um desconhecido ou a sua expectativa. Sem ninguém no presente nem no futuro, o indivíduo pensa tão sem razão quanto pensam os peixes. Dura pelo engenho que tiver e parece como um atributo indiferenciado do planeta. Parece como uma coisa qualquer."

Valter Hugo Mãe - Trecho de A desumanização.



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Um dia, eu e essa pessoa desconhecida vamos nos encontrar por algum motivo, e uma intuição talvez nos diga que chegamos à vida um do outro. Eu não acredito sempre nisso. Mas não posso deixar de estar atenta. De todo modo sou assim mesmo: fico atenta a toda gente. Gosto de olhar discretamente. Confesso.

Imagino a vida dos outros. Não é por cobiça. É por vontade que dê certo. Por exemplo, vejo alguém sem cabelo e invento que há gente que só gosta de homens carecas, para que ser careca seja uma vantagem ou, pelo menos, desvantagem nenhuma.

Acho que invento a felicidade para compor todas as coisas e não haver preocupações desnecessárias. E inventar algo bom é melhor do que aceitarmos como definitiva uma realidade má qualquer. A felicidade também é estarmos preocupados só com aquilo que é importante. O importante é desenvolvermos coisas boas, das de pensar, sentir ou fazer.


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Descubro cada vez mais que o paraíso são os outros . Vi num livro para adultos. Li só isso: o paraíso são os outros. A nossa felicidade depende de alguém. Eu compreendo bem.


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Mães, pais, filhos, outra família e amigos, todas as pessoas são a felicidade de alguém, porque a solidão é uma perda de sentido que faz pouca coisa valer a pena.
Na solidão, vale a pena tentar encontrar alguém. O resto é tristeza. A tristeza a gente respeita e deita fora. A tristeza a gente respeita e , na primeira oportunidade , deita fora. É como algo descartável. Precisamos usar mas não é bom ficar guardada.

Valter Hugo Mãe -  Trechos de O paraíso são os outros




Onde:
O paraíso são os outros # Valter Hugo Mãe - Obras de Nino Cais
Ed. Cosac Naify


Palavras de Guerra # Olívia Hime

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Remédios do amor - Melhorar o Objeto

Arte # Per Arnoldi



Novo amor (Eduardo Krieger) # Maria Rita


MELHORAR O OBJETO

É pois o quarto e último remédio do amor, e com o qual ninguém deixou de sarar, o melhorar de objeto. Dizem que um amor com outro se paga, e mais certo é que um amor com outro se apaga. Assim como dois contrários em grau intenso não podem estar juntos em um sujeito, assim no mesmo coração não podem caber dois amores, porque o amor que não é intenso não é amor. Ora, grande coisa deve de ser o amor, pois, sendo assim, que não bastam a encher um coração mil mundos, não cabem em um coração dois amores. Daqui vem que, se acaso se encontram e pleiteiam sobre o lugar, sempre fica a vitória pelo melhor objeto. É o amor entre os afetos como a luz entre as qualidades. Comumente se diz que o maior contrário da luz são as trevas, e não é assim. O maior contrário de uma luz é outra luz maior. As estrelas no meio das trevas luzem e resplandecem mais, mas em aparecendo o sol, que é luz maior, desaparecem as estrelas. Em aparecendo o maior e melhor objeto, logo se desamou o menor.

Pe. Antônio Vieira - Sermão do Mandato



Onde:
Samba meu # Maria Rita

http://pinsta.me/tag/perarnoldi

http://www.moma.org/collection/artist.php?artist_id=5

domingo, 7 de dezembro de 2014

Remédios de amor - Ingratidão

O coração dos homens # Fernando Aguiar


Cor'ingrato (Cardillo - Cordiferro) # Oscar Peixoto e Aurélio Mehler
(gravação de um recital)

Cor'ingrato  (Cardillo - Cordiferro) # Zizi Possi




INGRATIDÃO


Assim como os remédios mais eficazes são ordinariamente os mais violentos, assim a ingratidão é o remédio mais sensitivo do amor, e juntamente o mais efetivo. A virtude que lhe dá tamanha eficácia, se eu bem o considero, é ter este remédio da sua parte a razão. Diminuir o amor o tempo, esfriar o amor a ausência, é sem-razão de que todos se queixam; mas que a ingratidão mude o amor e o converta em aborrecimento, a mesma razão o aprova, o persuade, e parece que o manda. Que sentença mais justa que privar do amor a um ingrato? O tempo é natureza, a ausência pode ser força, a ingratidão sempre é delito. Se ponderarmos os efeitos de cada um destes contrários, acharemos que a ingratidão é o mais forte. O tempo tira ao amor a novidade, a ausência tira-lhe a comunicação, a ingratidão tira-lhe o motivo. De sorte que o amigo, por ser antigo, ou por estar ausente, não perde o merecimento de ser amado; se o deixamos de amar não é culpa sua, é injustiça nossa; porém, se foi ingrato, não só ficou indigno do mais tíbio amor, mas merecedor de todo o ódio. Finalmente o tempo e a ausência combatem o amor pela memória, a ingratidão pelo entendimento e pela vontade. E ferido o amor no cérebro, e ferido no coração, como pode viver? O exemplo que temos para justificar esta razão ainda é maior que os passados.

Pe. Antônio Vieira - Sermão do Mandato



Onde:
Passione # Zizi Possi

http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.do

http://www.poemavisual.com.br/html/show_poeta.php?id=43